DESTINO: LINHA 308 / DESTINATION: LINE 308


O COLETIVO 308 tem como objetivo estimular distintas formas de pensar a Arte, através da produção coletiva e a intervenção nos espaços.

The collective group COLETIVO 308 has like objective to stimulate distinct forms to think about Art, through the
collective production and the intervention in the spaces.


terça-feira, 20 de abril de 2010

LIBERDADE MARGINAL por Almandrade


Hélio Oiticica e Almandrade 1979 Recife

Recebido do amigo Almandrade, este competentíssimo texto de sua autoria, sobre Hélio Oiticica, com quem esteve nos 70, mais precisamente em 1979, na fotografia acima.
Almandrade, Obrigado pelo presente! Desfrutem dessa jóia rara.

LIBERDADE MARGINAL

Para Hélio Oiticica a arte era uma opção de vida contra toda e
qualquer forma de opressão: social, intelectual, estética, política...
Inventor, teórico, refletiu e interrogou a brasilidade e a
universalidade da arte, sempre inconformista e indiferente à moda. -
Arte concreta, Neoconcretismo, Parangolé, Tropicália, vanguarda
brasileira dos agitados anos 60, White Chapel Galery (Londres), seis
ou sete anos de Nova Iorque; uma vida de tensão em fazer arte e
habitar o mundo. Ao romper com o objeto/arte como coisa destinada à
visualidade (relação “contemplativa”), busca o tato e o movimento,
repõe a sensibilidade recalcada pelo tecnicismo do movimento concreto.
Cor, estruturas, palavras, fotos, dança, corpo, definem a obra. A
participação física é o centro e o interlocutor do acontecimento/arte,
o conceito de visão envolve todo corpo, difícil não pensar na
fenomenologia de Merleau-Ponty.

Nas palavras de Mário Pedrosa, em 1965:

“A beleza, o pecado, a revolta, o amor dão à arte deste rapaz um
acento novo na arte brasileira”.

O trabalho de Hélio Oiticica teve uma inserção no ambiente cultural de
vanguarda deste país, no momento de sua maior produtividade. Dos
Metaesquemas (desenhos em 58/59, quando o artista era integrante do
grupo Frente) aos ambientes de 69, um percurso que incorporou a
improvisação e a expressividade corporal para construir um trabalho.
Rompeu com a noção de quadro e libertou a cor da relação figurativa. A
cor deixou de ser um aspecto visual, nos ambientes e nos objetos, o
espectador era convidado para o contato físico. Penetráveis
(maquetes). Bólides (objetos de vidro com pigmentos para serem
manipulados), Parangolés (capas para vestir o corpo). Passista da
Mangueira. Tropicália.

“Tropicália é a primeiríssima tentativa consciente, objetiva, de impor
uma imagem obviamente brasileira” ao contexto atual da vanguarda e das
manifestações em geral da arte nacional. Tudo começou com a formulação
do Parangolé, em 1964, com toda a minha experiência com o samba, com a
descoberta dos morros, da arquitetura orgânica das favelas cariocas (e
conseqüentemente outras, como as palafitas do Amazonas) e
principalmente das construções espontâneas, anônimas nos grandes
centros urbanos – a arte das ruas, das coisas inacabadas, dos terrenos
baldios, etc.”
H.O.

“Propositadamente quis eu, desde a designação criada por mim de
“tropicália” (devo informar que a designação foi criada por mim, muito
antes de outras que sobrevieram, até se tornar a moda atual), até os
seus mínimos elementos, acentuar esta nova linguagem com elementos
brasileiros, na tentativa ambiciosíssima de criar uma linguagem nossa,
característica, que fizesse frente à imagética Pop e Op
internacionais, na qual mergulhava boa parte de nossos artistas”.
H.O.

Uma manifestação ambiental em que, ao penetrá-la, o espectador era
bombardeado por imagens sensoriais, devendo reagir com todos os
sentidos, a Tropicália foi instalada pela primeira vez em 1966, no
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Irreverente, rigoroso e
anarquista ao mesmo tempo, coerente com suas propostas, tinha um
perfeito domínio intelectual sobre seu próprio trabalho. Mais do que
uma instalação de arte, a Tropicália era um pensamento avançado sobre
a arte brasileira.

“Como se vê, o mito da tropicália é muito mais do que araras e
bananeiras: é a consciência de um não condicionamento às estruturas
estabelecidas, portanto altamente revolucionário na sua totalidade.
Qualquer conformismo, seja intelectual, social, existencial, escapa à
sua idéia principal”.
H.O. – 1968.

A experiência de Hélio Oiticica parte do concreto para a periferia do
projeto construtivista, adotando procedimentos estranhos como: a
marginalidade, a crítica à produção industrial, a participação do
corpo na leitura da obra. No princípio era Mondrian e Malevitch;
depois, o outro lado da modernidade: Marcel Duchamp. Uma trajetória
exemplar, na forma como transformou o seu trabalho, fazendo da
existência a condição da arte. A vida de um artista não explica a
obra; mas, se comunicam, principalmente no caso de Oiticica. Seu
trabalho é resultado de sua relação tensa com o cotidiano, que via na
marginalidade uma idéia de liberdade; aliás, o artista não é um
marginal que empresta seu corpo ao mundo, para transformá-lo em
pintura?! (Marleau-Ponty). Com a Tropicália, Oiticica submeteu a
brasilidade a uma inteligência rigorosa, sem perder o referencial
poético. Uma proposta cultural que buscava algo à margem, ou melhor,
entre “o visível e o invisível”; construir, com a experiência
sensorial, um pensamento.

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Almandrade
(artista pástico, poeta e arquiteto)

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